A Escuna
Era um dia de verão lindíssimo, com aquele céu azul de brigadeiro bem típico do Brasil. A temperatura estava em torno de 30o e isto para um dia de praia é excelente. Estávamos em Ingleses, no lado norte da Ilha de Florianópolis.
Éramos quatro mulheres solteiras alugando uma casa de dois quartos com um belo pátio. A localização era boa, a casa era próxima ao centro, para chegar à praia bastava caminhar três quadras.
Naquele dia decidimos fazer um passeio de escuna, mas era necessário escolher entre as várias opções oferecidas. Eu que sempre caminhava pela beira da praia pela manhã, me propus a fazer uma prospecção das possibilidades. Os escuneiros invariavelmente ofereciam seus serviços na orla enquanto os turistas se acomodavam na areia.
Caminhei um bom trecho, quando então recebi o panfleto de uma Escuna que tinha um ótimo preço e oferecia música ao vivo, lanche com frutas e piscina a bordo. Achei fantástica a oferta! Fui bem contente falar com minhas amigas. Apressei o passo para chegar em casa, pois a escuna sairia no início da tarde.
Atravessei as poças da água acumulada pela chuva do dia anterior e cheguei ao portão, quando entrei anunciei a elas com ar de vitória:
- Achei o nosso passeio. Olhem só, tem música ao vivo, lanchinho e um bela piscina a bordo. E ainda podemos descer na Ilha de Ratones e ver o forte. E a melhor coisa é o preço, só 50 pila! Está bem dentro do nosso número. O que vocês acham? – E estiquei o panfleto para que olhassem.
Minha amiga nordestina, Francisca, foi a primeira a olhar. Analisou bem e disse:
- Humm... parece mucho bom! Nem carece de piscina, mas por esse preço... vichi, é ótimo!
Depois passou o panfleto para a outra, Luana, que era professora em Pelotas. Aliás, éramos todas professoras em férias. Então era preciso sempre buscar as baratezas.
Luana já foi mais ponderada:
- Será que oferecem isso tudo mesmo?! Tu viu a Escuna?... Será que isso aqui não é um barquinho de pescador movido a remos?
- Eu vi a Escuna, é bem grandona, parece uma caravela. – falei eu. E era verdade mesmo, eu tinha visto de longe, só não cheguei a olhar por dentro.
Luana então acabou concordando, um tanto desconfiada com a superoferta.
Como as duas, Francisca e Luana concordaram e eu também estava muito a fim de ir, só restou para Teresa aceitar a proposta.
Nos arrumamos e às 13h30 estávamos na praia no local indicado. Pagamos ao homem que organizava o passeio e fomos levadas em um barquinho balouçante até a Escuna. Como eu sou gordinha, já na subida teve um certo entrevero, dois membros da tripulação tiveram que me içar a bordo, pois um só não deu conta do empreendimento. Enfim, com um regime a base de quindins e churrasco, fica difícil emagrecer.
Quando entrei na Escuna fiquei procurando a piscina e não encontrei. Então, perguntei a uma moça que era da tripulação onde estava a tal piscina, ela me apontou uma banheira do tamanho de uma jacuzzi, com um chuveiro acima. Então aquela era a ‘piscina’. - Eita porquera! Pensei...
Perguntei:
- Mas está vazia?
- Só enchemos com o chuveiro se os passageiros pedem, mas hoje não está funcionando – respondeu a moça da tripulação, de um jeito meio seco.
Fiquei olhando para ela, me sentindo uma idiota. Bom, pelo menos não era um barquinho a remos e iríamos desfrutar da paisagem sem sustos. Pensei isso até que começou a música ao vivo.
Alguns minutos depois que a escuna saiu para o passeio nos chamaram para uma cabine grande para ouvir a tal música. O outro tripulante, Ricardo, argentino para variar, anunciou a banda.
- Ahora escucharemos a la increíble banda los gatos!
Apareceram então em um pequeno palco alguns jovens magros e branquinhos apesar do sol e da praia, o que me fez pensar que estavam há pouco tempo por ali. Começaram a tocar uma música estranha, ficamos escutando por alguns minutos. Me pareceu que eles não tinham nenhuma ideia de conjunto, pois cada um tocava em seu próprio compasso, ignorando os demais. Também não sei se sabiam o que era ritmo, pois não se conseguia identificar qual era a música, me pareceu tratar-se de uma cumbia e resolvi me agarrar a essa suspeita. Olhei para minhas amigas e vi que estavam perplexas. Mas o pior estava por vir, um deles pegou um microfone e se pôs a cantar. Nesse momento compreendi por que a banda se autodenominava Los Gatos. Olhei ao redor para verificar qual era a reação dos outros e percebi que muitos passageiros se evadiam por uma portinha lateral.
Perguntei para minhas amigas:
- O que acharam da banda?
Francisca foi a primeira a dar sua opinião com seu sotaque nordestino:
- Eu não entendo nada de música, mas num gostei não...
Luana rebateu:
- Isso lá é música?!
Teresa acrescentou um tanto agoniada:
- Vamos para fora, olhar o mar, é melhor do que ficar aqui ouvindo isso.
E fomos em direção a popa do barco, pois era a parte mais longínqua da tal cabine em que se apresentava a banda. Quando chegamos lá fora percebi que os outros passageiros tiveram a mesma ideia, direcionando-se para o mesmo local. Notei que a embarcação chegou a adernar um pouco, pois a maior parte do peso passou a se concentrar na popa. Alguns de nós, quem sabe..., tivessem até o desejo de atirarem-se ao mar.
Fomos nessa agonia até a ilha de Ratones. Quando a Escuna aportou para descermos as pessoas saltaram rapidamente para o ancoradouro, saindo às pressas da embarcação para respirar o revigorante silêncio da ilha. Deus! Que agonia aquela viagem!
Para compensar o passeio na ilha foi uma maravilha, descansamos os ouvidos, olhamos paisagens e conseguimos até tirar fotos das construções antigas.
Ao final de duas horas teríamos que voltar, que lástima. Enfim, empreendemos a viagem de volta, e para nossa surpresa os músicos da banda Los Gatos se mantiveram em silêncio durante nosso retorno. Talvez tenham percebido que o barco adernou um pouco enquanto tocavam.... Recebemos enquanto voltávamos o tal lanchinho com frutas que consistia em pedaços de melancia e uvas. Dizia minha avó que não se deve misturar essas duas frutas, mas depois de tudo esse era um mal menor.