O Pai
Recebeu uma bofetada com as costas da mão que fez correr um filete de sangue dos lábios. Não teve tempo de reagir e foi empurrada para o chão. Quando caiu, bateu com as costas na quina de uma das estantes. Um chute certeiro no meio da barriga provocou uma dor tão intensa que se contorceu sobre si mesma.
Já não suportava mais apanhar daquele jeito, hoje ele estava mais violento que de costume.
Ficou ali, no chão, enrolada sobre os próprios joelhos, até que ele gastasse a sua fúria insana.
Passados alguns minutos ele voltou à carga, chutando-lhe as costas.
Neste momento apareceu a menina chorando no corredor, não gostava de ver a mãe apanhar, sentia medo do pai quando ele estava assim.
O choro da criança começou a irritá-lo ainda mais, e como não calasse, partiu pra cima dela também.
Amélia nunca tinha visto ele bater na filha e um ódio irracional lhe subiu pelo corpo, dopando seu cérebro com adrenalina, fazendo-a esquecer da dor.
Enquanto ele esmurrava a menina que gritava em pânico, ela lançou mão do primeiro recurso que achou no caminho, uma faca de cozinha. A sua força era tamanha que a faca enterrou até o cabo nas costas de Fernando.
Ele deu um gemido surdo e desabou sobre as próprias pernas, olhando a mulher com olhar incrédulo, não imaginava que ela fosse capaz disso.
De repente, olhando-o ali estendido, ela deu-se conta do absurdo de tudo aquilo. A droga fazia isso com as pessoas, a maldita droga!
Sentou-se no chão abraçando a filha, nenhuma das duas chorava, mas o monstro estava derrotado. Para ela, o homem que tinha amado e para menina o único pai que conhecia. Não sabiam o que sentir, se festejar ou chorar. Mas estavam tristes, chocadas, mudas, encurraladas na ambivalência do seu próprio sentimento. E assim ficaram por um longo tempo, até que o dia amanheceu...