Viagem à França
Morei na França por um tempo. Antes de ir estudei Francês por um tempo, chegando até o nível intermediário, pensava que ao chegar lá me comunicaria razoavelmente. Mas, não foi assim, não compreendia nada do que falavam os franceses, tampouco eles me compreendiam. Fiz algumas tentativas para me comunicar, mas era como uma conversa de surdos sem libras. Então me refugiei no pequeno sobrado em que morávamos, limitando-me a ir ao mercado, onde me comunicava com algumas palavras-chave: “Combiem ça coûte?”, “Ça sufit”, e por aí vai... Talvez a minha maior interação tenha sido com o açougueiro, pois as galinhas vinham com suas pequenas cabeças presas ao corpo e ele me perguntava de maneira informal “Coupê le cou?” (Corto o pescoço?), e eu ficava olhando pra ele com cara de abobada, “le cou”... “le cou”..., que diabos era isso?!... Aí então o açougueiro, um homem alto e bem-humorado, ria da minha cara e fazia um gesto passando o seu dedo pelo seu pescoço como se fosse uma faca. Eu respondia efusivamente... Oui! Oui!
Com essa fantástica fluência, um dia me perdi na cidade. Isso aconteceu quando fui comprar um balde e um rodo, extremamente necessários para resolver uma pequena inundação no banheiro. Consegui comprá-los, mas o ônibus em que eu voltava resolveu parar num final de linha diferente. Lá, naquela cidadezinha chamada Poitiers era assim, dependendo do dia, o ônibus parava em um determinado terminal. Desta vez paramos bem no meio do hospital da região, onde todos os prédios seguiam o mesmo padrão de construção e eram exatamente da mesma cor. Algo que não era incomum por ali. As pequenas vielas que serpenteavam o imenso hospital eram circulares, repetindo o planejamento urbano das cidades medievais.
Desci do ônibus com o balde e o rodo em punho e me pus a procurar a saída. Sabia que estava perto de casa, mas nada era reconhecível. Vi duas enfermeiras na porta de um dos prédios e fui lhes perguntar como sair dali em direção à rua Michel Foucault. Cheguei cumprindo as regras da etiqueta, imprescindíveis por lá.
- Bom Jour! Où ést la rue Michel Foucault? – francês é uma língua falada e outra escrita, eu mal e mal sabia a escrita, que dirá a falada. Não me compreenderam, minha pronúncia não ajudava em nada.
As duas moças falaram algo que não entendi, tentaram de todas as formas me dizer uma direção e só pude entender que a “à gouche” era à esquerda... apontaram em uma direção e eu, sem compreender bulhufas do que falavam me enveredei por ali. De posse do rodo e do balde me fui temendo que pensassem que eu era uma “Femme de ménage” (faxineira).
Segui em frente como quem sabe aonde vai, e para atravessar um cruzamento, caminhei sobre uma rótula em forma de canteiro. Era inverno, tinha muita neve semiderretida, ao caminhar enfiei o pé no barro mole. Nesse momento o rodo revelou sua utilidade, pois agarrei-me nele para desatolar a galocha. Andava a esmo e já era quase noite. Perdida, parei em uma sinaleira daquele imenso complexo, pensando no que poderia fazer. Eis que um carro buzinou para mim. Uma moça dirigia o veículo, parecia bastante irritada porque eu não atravessava a faixa de segurança. A expressão dela me assustou, naquele momento me pareceu que o mais sensato a fazer era atravessar a rua. A situação toda já me afetava os miolos, depois que a motorista irritada passou, atravessei a rua novamente, retornando ao local onde estava. Nesse momento tive medo de que me tomassem por algum dos pacientes psiquiátricos que transitavam por ali.
Como já estava escurecendo tomei uma decisão, resolvi voltar ao terminal onde havia descido, pegar o ônibus novamente, e, desta vez, descer em uma parada conhecida. Acabei desembarcando umas dez quadras de onde eu morava, mas era um caminho conhecido e lá pelas nove horas da noite consegui chegar em nosso sobrado portando bravamente meu balde e meu rodo.
Depois disso me matriculei em um curso de francês na Universidade de Poitiers, onde aprendi francês em uma turma composta de alunos de origem coreana e chinesa. Lembro que no primeiro dia um aluno Chinês veio me pedir informações. Como eu tenho cara de europeia era comum que pobres criaturas perdidas - como eu - me pedissem informações. Se já era difícil conversar em francês com os franceses, imagine com um Chinês que não falava francês. Lembro que nosso diálogo provocou risos em um outro aluno que estava sentado em uma das cadeiras ao longo do corredor. Mas, pasmem, depois de seis meses de curso consegui conversar meia hora em Francês com esse mesmo colega Chinês.